quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Felicidade rotineira

     Eu chegava do trabalho quando resolvi, pela primeira vez em semanas, parar, sentar na varanda de casa e ler um livro qualquer. Me espichei na rede espessa e aconchegante, posicionei meu copo preferido de cerveja na mesinha ao lado e acendi um cigarro. No momento em que levantei os olhos em direção à minha frente, logo de cara, pensei: Eu realmente vivo aqui?

     Que pergunta extraordinária e, ao mesmo tempo, entristecedora. Eu realmente havia conseguido tudo que, aos 20 anos, imaginara. Eu tinha absolutamente tudo. Uma casa à beira mar, uma rede colorida e grande o suficiente para quantos quisessem sentar. Tinha uma mulher incrível acordando todas as manhãs ao meu lado. Ela me irritava, me enlouquecia e enfeitiçava todos os 365 dias do ano há 12 anos.
      E foi pensando nisso que, novamente, me perguntei: Eu realmente vivo aqui?

     Acordo de segunda a sexta-feira às 8 da manhã. Geralmente tomo alguns goles de café e corro até a garagem, não gosto de me atrasar. Chego no escritório por volta das 8:45, dependendo do trânsito. Lá dentro me pergunto a cada meia hora o porque de estar ali. "Eu realmente estou onde queria?" O almoço é sempre por volta das 13:30, às vezes minha mulher consegue me encontrar e almoçamos juntos. Nunca gostei de almoçar sozinho, cresci fazendo refeições rodeado pela família.
     Voltando ao trabalho, problemas com clientes. Ligação de fulano e ciclano, exigências, pedidos e mais pedidos. Enquanto falo ao telefone, a janela grande, posicionada na parede esquerda a minha mesa, presenteia meus olhos com um sol de 40 graus e uma vista pro mar admirada do décimo segundo andar. Dá um aperto no coração, mas tenho contas a pagar.
     Por volta das 18:30 chego em casa. Tomo um banho e ligo a televisão. Assisto uma bocada de besteiras, jornais, esportes e um pouco de novela. Logo já bate aquele sono, a Cecília chama e eu já penso só na minha cama. A gente transa e dorme. Nesse momento me sinto um cara morto. E daí eu me pergunto de novo: Eu realmente vivo aqui?

     Por que diabos eu acordo todos os dias pra ir à uma sala pequena e fechada fazer coisas que detesto? Por que, ao chegar em casa, não vou à beira mar, sentar na areia, ouvir uma boa música e dar uns beijos na Ciça? A gente podia fazer uma fogueira, tocar uma viola e conversar com a lua. A gente podia contar as estrelas, transar em uma canga e fazer amor na casinha de salva-vidas... A gente tinha mil e uma opções, mil e duas se quisesse.
     E foi aí que respondi minha pergunta: Eu não vivo aqui, realmente. Eu apenas moro.

     Era meu último gole de cerveja, olhei para o relógio no meu pulso direito e esbocei, instintivamente, uma expressão de susto. Passava das 23:43, eu tinha apenas 17 minutos para ir dormir e 8 horas de sono. É assim desde que saí da casa dos meus pais, cronometro cada segundo do meu dia. Todas as poucas vezes que arranjo tempo pra fazer algo que gosto, o relógio me persegue, me censura. E a cada minuto que ali permanecia, inerte, menos eu vivia e mais eu morava.

     Fui ao quarto acordar a Ciça, peguei-a no colo e corri em direção ao mar. O céu estava lindo e ela mais ainda. Peles molhadas que em atrito faiscavam, respiração ofegante e uma felicidade única. Foi o melhor sexo de nossas vidas. Aliás, foi amor. Sempre foi, na verdade.

      Dali pra frente, eu era outro cara. A partir daquele momento, eu faria tudo diferente. Daquele instante em diante, eu parava de morar e, finalmente, começava a viver.


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