sexta-feira, 21 de junho de 2013

O dia que Porto Alegre parou

Cruzamento da João Pessoa com a Salgado filho, olhei para cima e vi os pingos da chuva fecharem meus olhos. Enquanto isso, meus ouvidos absorviam o coro: "Quem apoia, pisca a luz". A medida com que meus olhos abriam, podia enxergar uma árvore de Natal em forma de prédio. Luzes piscavam e pessoas acenavam de suas janelas. Idosos, crianças, homens e mulheres que, de casa, gritavam em apoio a nossa caminhada.
A cada passo que eu dava, a chuva aumentava. Meu saco de lixo, adaptado a uma capa de chuva, parecia não dar mais conta e, neste momento, percebi que meu rosto não era mais umedecido por uma água qualquer, eram lágrimas de alegria. Felicidade que inundava meu peito por estar ali e não querer estar em lugar nenhum outro.

Esperei minha irmã em alguma esquina das tantas em frente a redenção, em seguida, seguimos rumo a Ipiranga. Ao chegarmos na avenida, exatamente no momento em que tentamos dobrá-la, pude ouvir o primeiro estouro. Era a primeira bomba lançada, a primeira de muitas.

Alguns tentaram se dispersar e iniciar a correria, mas eu e muitos gritávamos: "Calma, pessoal, sem correria!". Segurei um menino que, a minha frente, tentou me empurrar na tentativa de sair dali. Mais uma vez, pedi calma. Continuamos por algum tempo, firmes e fortes, cantando, acenando e pulando, ninguém ali estava disposto a desistir, queríamos ensinar a eles sobre protestos pacíficos. Queríamos defendê-los, gritar também por seus direitos.

Passei a mão em meu cabelo pra arrumar o capuz que pouco me protegia da chuva, olhei para o lado e, de repente, já tinha acontecido. Havia uma bomba nos meus pés. Olhei para baixo e a última coisa que lembro de ver foi o símbolo da marca "adidas" estampado na jaqueta do moço a minha frente. Eu não enxergava mais nada, meus ouvidos não paravam de pulsar. Eram bombas que não acabavam mais, ao meu lado, a minha frente e atrás.

Minha irmã, também inundada pelo gás tóxico, imediatamente me puxou pelo braço esquerdo em direção a calçada. Era gente e barro pra todo lado e só o que eu via era uma nuvem branca. Era como se, aos 20 anos de idade, eu estivesse com catarata nos dois olhos. Minha rinite já não era mais o maior problema em meu nariz. Parecia que eu precisava parar de respirar pra poder sobreviver. Meu rosto inteiro ardia. Eram empurrões de todos os lados, uma correria sem fim, eu tinha certeza de que estava em meio a uma guerra. Senti vontade de gritar, de me jogar no chão e chorar. Mas eu não podia, não podia ficar ali. Eu seria pisoteada.

Como em todo minha vida, ela sempre esteve ali. Minha irmãzinha, minha melhor amiga. A Gabi. Controlada e calma, ela, que já havia experimentado a dor de uma bomba de gás de pimenta, me guiou até o meio do cruzamento entre a João Pessoa e a Azenha. Pude ouvir de todos os lados: "Vinagre! Vinagre", e foi então que senti duas mãos segurarem meus ombros e dizerem: "Calma, minha filha, vai passar! Calma!". Enquanto aquele líquido de cheiro ruim escorria meu rosto, aos poucos meus olhos abriam. Quando finalmente os tive de volta, pra minha surpresa, a minha frente, encontrava-se um senhor de idade, mais ou menos uns 70 anos. Uma doçura de gente. Um alívio, uma recompensa pelo que eu havia acabado de passar. Aquele velhinho me salvou, não só pelo vinagre, mas por estar ali.

E sabe o que eu quero mesmo contar para vocês? O que eu vi.
Eu vi toda aquela gente, de longe, lá na frente, apanhando da polícia pra me defender. Eu vi aquela gente toda, lá na frente, levando bomba de graça. E, sabe do que mais? Aquela gente toda, lá na frente, não fez nada de errado.

Pra quem acha que esse vandalismo vem apenas de vândalos manifestantes, sugiro sair pra rua e ver com os próprios olhos. Ver com os próprios olhos a polícia enxergar a baderna de alguns e não mexer um dedo. Ver a polícia atirar pra cima, sem ter ideia de onde aquilo vai parar, apenas por tentarmos avançar em uma rua. 

Só vejo reclamações sobre a depredação de lojas e agências bancárias, mas daí pergunto a vocês: O que a brigada fazia que não cercou o Banrisul e os tantos outros estabelecimentos?
Ah, sim! É mesmo! Tinha esquecido! A brigada estava muito ocupada protegendo a dona da cidade, nossa querida RBS. Estava muito ocupada atirando bombas pra lado nenhum na intenção de impedir o restante da caminhada. Estava muito ocupada atacando inocentes. 
Pois é, minha gente, vivemos em um país onde o que passa na TV, é mais importante do que o que vemos nas ruas. E, não sei vocês, mas o que eu vejo, e vi ontem, nas ruas, não tá passando na TV.

É como eu disse, meu amigo, depois que tu sentes na pele, pode ser que penses melhor no que te dizem na TV. Os vândalos que quebram, são filhos dos ladrões lá de cima.

E, apesar de tudo, posso dizer pra vocês: Foi o melhor banho de chuva da minha vida!

                                                                                                                                                  20.06.2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário